As Prefeituras estão na mira de centenas de ações judiciais de contribuintes que adquiriram imóveis nos últimos cinco anos.
Estes contribuintes solicitam a devolução de valores pagos em ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) com juros e correção.
Esse movimento é resultante de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que mudou a base de cálculo do tributo.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf),o município de São Paulo, por exemplo, tem recebido entre 180 e 200 processos desse tipo por semana, já o Rio de Janeiro outros 100, em média, e Porto Alegre cerca de 80.
“São, em maioria, pedidos de baixo valor, R$ 300, R$ 700, que talvez não pague nem as custas do processo. Eu nunca vi uma ação recente, que ainda nem está encerrada, gerar tanto impacto”, critica Ricardo Almeida, assessor jurídico da entidade.
A decisão foi proferida em março pela 1ª Seção do STJ com efeito vinculante para juízes e desembargadores de todo o país. Ficou definido que o ITBI – cobrado pelas prefeituras quando há compra e transferência de imóveis – deve ter como base o valor da transação declarado pelo contribuinte.
Esse modelo é diferente do adotado pelos municípios. As prefeituras costumam se basear em um valor venal de referência, e isto varia de município para município, mas, geralmente, a base de cálculo parte dos valores de IPTU e é complementada com informações de mercado: transações imobiliárias informadas pelos contribuintes e convênios com empresas especializadas. Pelo motivo da possível diferença entre os valores fixados pelos municípios e o preço negociado pelo contribuinte, há a proliferação de ações judiciais. Existem as preventivas e também as de repetição de indébito, para reaver valores já pagos, que têm feito maior volume no Judiciário.
De acordo com as informações, os contribuintes têm até cinco anos a contar da data do pagamento do ITBI para poder entrar com pedido de restituição.
O humorista e apresentador Fábio Porchat, entrou nessa briga e ingressou com ação contra o município de São Paulo para reaver cerca de R$ 30 mil que teriam sido pagos a mais. Conforme o processo, Porchat comprou um imóvel, no ano de 2017, por R$ 1,9 milhão e a prefeitura considerou para o cálculo do imposto R$ 3.024.762,00.
A juíza Adriana Bertier Benedito, da 3ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública (onde tramita o caso)optou por esperar pelo encerramento da ação (trânsito em julgado) que está no STJ para decidir sobre o pedido de Porchat (processo nº 1046254-83.2022.8.26.0053).
“Alguns juízes de primeira instância têm feito dessa forma, o que é ruim porque o contribuinte acaba tendo que recorrer ao tribunal”, diz o advogado Alécio Ciaralo,que representa Fábio Porchat.
O caso no STJ – que serve como precedente para os demais no Judiciário – tem o município de São Paulo como parte. Os procuradores estão tentando levar a discussão para o Supremo Tribunal Federal (REsp nº 1937821).
Procurada pela redação, a procuradoria do município, limitou-se a dizer, por nota, que utiliza-se de “mecanismos e recursos cabíveis” contra a decisão, “que ainda não transitou em julgado”.
De acordo com Ricardo Almeida, assessor jurídico da Abrasf, há matéria de ordem constitucional envolvida. “Transferir a base de cálculo para o valor da escritura, atribuído pelas partes, não é só uma questão de interpretação do que é valor de mercado. É desnaturar o imposto. O ITBI incide sobre patrimônio, não sobre consumo”, esclarece.
Almeida salienta também, que a decisão do STJ não poderia ainda ser replicada por juízes e desembargadores porque o processo não está encerrado. E mesmo se finalizado como está, afirma, o efeito não seria tão amplo. O magistrado diz que o caso em análise envolve arrematação em hasta pública. Desta forma, só essas situações estariam abarcadas pela decisão, não compra e venda. “Porque não foi discutido pelas partes ao longo de todo o processo. Seria uma clara violação ao devido processo legal”, frisa. Os advogados dos contribuintes discordam. Veem essa interpretação mais restritiva como uma tentativa de minimizar o impacto aos cofres públicos.
Desde o ano de 2019, a Secretaria de Fazenda disponibiliza em seu site, os dados mensais sobre as transações imobiliárias realizadas no município, os valores declarados pelos contribuintes e quanto foi considerado para pagamento do ITBI.
Em julho (último mês disponível para consulta) foram realizadas 14.321 operações de compra e venda, que somam R$ 12,6 bilhões, e a base adotada para cálculo do imposto foi de R$ 13,2 bilhões.
Como São Paulo cobra 3% de ITBI, o percentual aplicado sobre o valor das transações declarado pelos contribuintes seria de R$ 378 milhões. Pela base de cálculo adotada pelo município fica um pouco acima: R$ 396 milhões. “O que o STJ fez foi traçar parâmetros gerais, com efeitos vinculantes, para toda e qualquer operação que envolva base de cálculo de ITBI”, diz Bruno Sigaud, do Sigaud Advogados, acrescentando que os tribunais estaduais também interpretam assim.
De acordo com o levantamento realizado pela banca, há decisões aplicando a tese fixada pelo STJ nos tribunais de São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Paraná e Ceará. Porém essa discussão também tem efeitos colaterais.
Outro efeito dessa discussão é o direito à fiscalização. Se o contribuinte recolher o imposto com base no valor declarado por ele mesmo, o município terá até cinco anos para contestar. Essa situação poderá gerar um alto número de processos administrativos. (Com informações de Valor Econômico)